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Reforçar e qualificar a participação pública em Portugal

É desejável partir de uma certeza inquestionável: a democracia não é um caminho de sentido único.

29 Abril 2022

No presente ano, mais precisamente a 24 de março, assinalou-se o dia em que a democracia portuguesa suplantou a duração da ditadura, data simbólica escolhida pelo Governo e pelo Presidente da República para iniciar as comemorações do cinquentenário do 25 de Abril de 1974. A estrutura de missão criada para liderar as celebrações tem pela frente o «grande desafio de conciliar a memória da resistência e da Revolução com a capacidade de imaginar o futuro da democracia portuguesa»1.

 

Hoje, cerca de 48 anos depois, o País é seguramente muito diferente do que nos foi entregue pelo Estado Novo, pelo que não faltarão estímulos para esse exercício de harmonização entre a História e a idealização de novos limiares para o Regime.


Quanto à primeira parte do desafio, de revisitação do legado, são muitos os motivos para comemorar, entre os quais se destacam a instauração da democracia e da liberdade, a construção progressiva do Estado Social e do Sistema Nacional de Saúde, a generalização do acesso à educação e ao ensino, a emancipação das mulheres, a ampliação dos direitos sociais, a criação de uma sociedade mais tolerante e aberta ao exterior, a adesão à União Europeia2, entre muitos outros.

 

Relativamente à segunda parte do desafio, bem mais especulativa, referente ao futuro, é desejável partir de uma certeza inquestionável: a democracia não é um caminho de sentido único. Ela carece de uma atenção permanente, de uma vigilância imperturbável e de um aprofundamento constante. Esta convicção é reforçada pela nova vaga de autocratização no mundo, mas também pelos elevados níveis de desconfiança da população face às instituições, comprovada em estudos e materializada nas altas taxas de abstenção eleitoral, na utilização do voto como forma de protesto contra as elites políticas, no crescimento de derivas antidemocráticas, bem como no indiscutível afastamento de muitos cidadãos da «coisa pública».

 

O importante é assumir que o futuro da democracia deve ir além do cumprimento de um conjunto de procedimentos, entre os quais as próprias eleições.

 

Entre as muitas medidas que podem ser adotadas para qualificar o Regime, uma deve seguramente passar pelo reforço da participação pública nos diferentes níveis da Administração e nas diversas áreas e domínios de atuação do Estado. Não basta reformular o «aparelho», como tem vindo a acontecer com a transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, bem como a eventual criação das regiões administrativas, caso um novo referendo sobre a regionalização, previsto para 2024, assim o determine. O foco na eficiência do Estado, certamente essencial, deve ser acompanhado de mecanismos que ajudem a melhorar a forma como a Administração se relaciona com os cidadãos, para que ela seja mais próxima, mais dialogante e mais democrática.

 

O País necessita de prestar mais atenção às inovações democráticas que têm vindo a ocorrer ao longo das duas últimas décadas, em particular ao nível do poder local, para compreender que os modelos clássicos de participação pública - muito retóricos, excessivamente procedimentais e burocráticos, mas pouco efetivos e de baixa credibilidade para a opinião pública - estão esgotados, desfasados no tempo e são desadequados ao exercício de uma cidadania e de uma democracia mais intensas.

 

Entre as práticas em curso e emergentes, sugere-se especial atenção a três, pela mudança de paradigma que lhes é inerente: i) os Orçamentos Participativos, que este ano comemoram 20 anos em Portugal, pela oportunidade que oferecerem de deliberação regular e partilhada de investimentos públicos, com resultados concretos na vida das pessoas; ii) as iniciativas de cogestão de bens públicos, no âmbito das quais os cidadãos, em parceria com as autarquias, assumem funções de cuidadores do território, como acontece nas práticas de tutores de bairro, zeladores de freguesia, guarda-rios, entre outras; iii) os minipúblicos, criados segundo a lógica de grupos de cidadãos representativos de comunidades mais vastas, com o objetivo de debater determinadas políticas públicas, sem condicionantes e sem propostas de partida, tendo em vista consensualizar «cadernos de recomendações» a entregar aos órgãos eleitos.

 

No quadro autárquico merecem também particular atenção os exemplos, ainda poucos, de sistemas públicos de participação. São estruturas em construção que visam integrar num modelo comum de governação as diferentes práticas e ferramentas de envolvimento dos cidadãos na definição das políticas e na gestão dos bens públicos, como as expostas anteriormente, atribuindo-lhes uma
unidade e identidade comuns. Nestes casos, a participação deixa de ser casuística e vinculada a obrigações legais, para passar a fazer parte de uma cultura política e um modelo de organização institucional mais capazes de enfrentar três grandes desafios da gestão pública democrática: a escassez de recursos, a complexidade dos problemas e o desencanto dos cidadãos.

 

Aos estímulos expostos é possível juntar muitos outros. O importante é assumir que o futuro da democracia deve ir além do cumprimento de um conjunto de procedimentos, entre os quais as próprias eleições. É necessária uma aposta continuada dos vários agentes políticos, um verdadeiro investimento público na abertura do Estado à sociedade, na reinvenção das formas de participação e na devolução do ideal democrático ao coração das pessoas.

 

Nelson Dias | Oficina de Planeamento e Participação

 

(1) Resolução do Conselho de Ministros n.º 70/2021, que determina a realização das comemorações do 50.º aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974 e cria a estrutura de missão que as promove e organiza.
(2) Então designada Comunidade Económica Europeia (1986).

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