Entrevistas 

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Sandra Fisher-Martins

Tornou-se numa das pioneiras na introdução da metodologia Plain Language em Portugal. Falámos sobre linguagem clara, direta e acessível.

27 Dezembro 2021

N.º 13 Diagrama - dezembro 2021 comunicação

Enquanto vivia em Inglaterra, em 1996, Sandra Fisher-Martins recebeu um extrato bancário onde se lia que o mesmo tinha sido escrito em linguagem clara, ao abrigo da campanha pelo uso de um inglês simples (Plain English Campaign). De regresso a Portugal, ao tratar dos papéis para alugar casa, abrir conta no banco ou assinar um contrato de trabalho, começou a ter consciência das dificuldades em interpretar alguns tipos de linguagem e do problema da iliteracia de grande parte da população. Decidida a alterar a situação, tornou-se numa das pioneiras na introdução da metodologia Plain Language em Portugal. Fundou a Português Claro (atualmente apenas Claro), uma empresa de consultoria e formação que introduziu o conceito de linguagem clara nosso País e que, desde 2007, ajuda empresas e instituições portuguesas a comunicar de outra forma.
Fomos falar com ela sobre linguagem clara. Respondeu-nos na companhia da restante equipa da Claro.


Em 2007, começou a trabalhar com organismos da Administração Pública (AP) para descomplicar o «juridiquês» utilizado na comunicação com os cidadãos. Já passaram por vários projetos e por diversos organismos. Desde aí, o que é que mudou na linguagem da AP? Pode dar-nos exemplos?

SANDRA FISHER-MARTINS: A Administração Pública tem uma consciência cada vez maior de que é fundamental simplificar a linguagem para aumentar a eficiência operacional e prestar um bom serviço. Por isso, tem feito um enorme esforço para comunicar de forma mais simples.

A nova notificação de injunção é um excelente exemplo disso mesmo: segundo a Direção-Geral da Política de Justiça, nos dois primeiros anos de aplicação da nova notificação, o número de dívidas pagas voluntariamente aumentou 67%. Os resultados foram tão bons que o Ministério da Justiça decidiu simplificar outras comunicações que os tribunais enviam às pessoas e às empresas. Estamos neste momento a trabalhar nesse projeto.

De facto, muito tem sido feito, mas ainda há muito por fazer, porque a AP é muito vasta. É preciso, sobretudo, apostar na capacitação das pessoas que aí trabalham. É preciso divulgar as técnicas de escrita clara e dar apoio às pessoas para as aplicarem no dia a dia: formação, coaching, templates, guias de escrita e o patrocínio das chefias são só alguns exemplos.

É uma mudança cultural e tem de ser abordada de forma sistémica — não acontece de um dia para o outro, nem sem o envolvimento ativo das pessoas que fazem a AP funcionar.


No trabalho que têm, quais são as maiores dificuldades que têm encontrado na simplificação da linguagem?

JOÃO MARTINS: O hábito e o medo por parte de quem contacta pela primeira vez com o português claro. O hábito faz esquecer que certas opções de escrita, antigas e complexas, são apenas opções e não leis científicas nem mandamentos sagrados. Além disso, mesmo quem já compreendeu as vantagens de uma escrita mais clara pode sentir estranheza — só por ser menos habitual.

O medo de perder rigor técnico é talvez o mais frequente e compreensível. Só desaparece completamente quando os números provam que um documento claro é mesmo mais eficaz. Na verdade, o rigor também se pode perder quando quem lê não tem capacidade para decifrar o rigor de uma escrita técnica e complexa. A nova notificação de injunção, que a Sandra referiu, é um bom exemplo de como é possível simplificar um documento com tantos requisitos legais e manter o rigor técnico. Depois, há o medo de perder autoridade. Este é pior. É menos honesto. Afeta sobretudo quem esconde as suas fragilidades técnicas atrás de uma muralha de palavras pomposas e, muitas vezes, pouco rigorosas.


Temos uma AP cada vez mais digital, num processo um pouco acelerado pela pandemia que nos atingiu. Mais serviços públicos digitais poderão significar uma maior necessidade de os organismos simplificarem a linguagem que utilizam?

HUGO SOUSA: A necessidade de simplificar a linguagem existe sempre, quer no digital quer no analógico. Uma linguagem simples dá sempre maior autonomia às pessoas na sua relação com a AP.
Se as pessoas forem mais autónomas, os serviços da AP serão também mais ágeis - porque terão de lidar, por exemplo, com menos pedidos de ajuda e menos processos mal instruídos. Pelo contrário, se a autonomia das pessoas ficar comprometida, vamos também comprometer a eficiência operacional dos serviços.
Quanto à transformação digital, a tecnologia sozinha não resolve tudo. Se a linguagem usada nos canais digitais continuar a ser complicada, como nos outros canais, transferimos os problemas resultantes da linguagem de um canal para o outro e não os resolvemos.

Por exemplo, quando substituímos um formulário em papel por um formulário online, facilitamos a vida às pessoas porque não têm de se deslocar aos serviços, mas, se não simplificarmos as designações dos campos, as dificuldades de preenchimento continuam a ser as mesmas.


Como é que se consegue equilibrar a clareza da informação com a complexidade da legislação?

JOANA FERNANDES: A legislação diz respeito a assuntos do dia a dia — pelo menos, grande parte dela. Além da dificuldade que pode ser entender como funciona o sistema jurídico, esta área foi desenvolvendo uma linguagem própria, com muito jargão, grande formalidade e outras características que a afastam das pessoas.

Mas se os assuntos a que a lei diz respeito são do dia a dia, tem de ser possível trazê-la de volta à realidade à qual procura dar resposta. Ou seja, concretizar. Interpretar e escrever numa linguagem acessível, que permita às pessoas perceber de que situação, consequências e direitos estamos a falar naquele documento em concreto. Por vezes, o rigor técnico e o valor legal do documento em questão podem obrigar-nos a usar termos técnicos. Nesses casos, usamo-los, mas explicamos o que significam.

Simplificar implica analisar um documento, fazer perguntas aos especialistas na matéria e interpretar. Depois, produzir uma proposta do documento simplificado, apresentá-la aos especialistas e ouvir o que têm a dizer. Introduzir as alterações necessárias. E, se possível, testar o documento para ter a certeza de que é compreendido por pessoas que não percebem nada do assunto.


Escrever em linguagem clara nem sempre é fácil ou intuitivo. Consegue indicar-nos dois ou três princípios de simplificação de linguagem que quem escreve para o cidadão poderia seguir no seu dia a dia?

THURSDAY EDRAL: Um bom princípio é inspirarmo-nos na oralidade. Imaginar a escrita como uma conversa. É na rua e no supermercado que encontramos as palavras que toda a gente usa e conhece.

Por exemplo, ninguém diz: «Vimos por este meio solicitar a V. Exa. que proceda à subscrição da presente(...)» As pessoas dizem qualquer coisa como: «Assine aqui, por favor.» Soa natural, é educado, e toda a gente percebe sem esforço. Se a clareza é o norte, a oralidade é uma bússola.

Outro princípio: dar a quem lê o poder de tomar decisões de leitura seguras. Cada pessoa deve poder decidir quanto precisa de ler, e por que ordem, consoante os seus interesses e o tempo disponível. Porque as pessoas raramente têm vontade de ler. E nunca leem tudo.

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