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A voz dos cidadãos pode orientar a transição tecnológica

A participação dos cidadãos pode melhorar o debate democrático e a qualidade das políticas públicas, aproveitando a inteligência coletiva e capacitando os cidadãos a desempenharem um papel ativo em decisões que afetarão as suas vidas.

02 Maio 2022

política inovação participação transformação digital https://www.oecd.org/

A crescente complexidade na elaboração de políticas e a incapacidade de encontrar soluções para alguns dos problemas políticos mais prementes levaram políticos, legisladores, organizações da sociedade civil e cidadãos a refletirem sobre a forma como as decisões públicas coletivas devem ser tomadas. Um desafio político cada vez mais complexo, a nível mundial e nacional, é a transição tecnológica. 

 

Para potenciar os benefícios da tecnologia, as autoridades públicas necessitam de estabelecer regras de enquadramento para limitar qualquer possível impacto negativo. Estas decisões exigem uma perspetiva de longo prazo, bem como certas soluções de compromisso entre a inovação, a eficiência e a proteção das nossas democracias e dos espaços cívicos. A adoção de tecnologias emergentes requer um debate democrático e decisões coletivas para definir essas regras e estabelecer limites. 

 

No entanto, os atuais sistemas de governação e de tomada de decisões coletivas baseiam-se em regras do século XVIII, as quais não refletem a crescente procura de participação cidadã. A participação dos cidadãos pode conduzir a um melhor e mais democrático processo de elaboração de políticas e reforçar a confiança do público na governação e nas instituições democráticas, conferindo aos cidadãos um papel ativo e informado na vida pública. Há mais de 10 anos que a OCDE trabalha com países de todo o mundo para estabelecer uma cultura governativa aberta, ou seja, uma governação mais transparente, responsável e participativa. 

 

A participação dos cidadãos pode contribuir para a tomada de decisões, melhorando as decisões públicas e promovendo a confiança. 

A OCDE1 define a participação cívica como «todas as formas pelas quais as partes interessadas podem participar no ciclo político e no desenho e prestação de serviços». Por conseguinte, a participação refere-se aos esforços das instituições públicas para ouvir (consulta) e integrar (envolvimento) na tomada de decisões públicas os pontos de vista, perspetivas e contributos dos cidadãos e das partes interessadas. 

 

A participação dos cidadãos não é um conceito linear e tem diferentes modalidades, graus de envolvimento e impacto. A OCDE distingue três níveis de participação: informação, consulta e envolvimento.

 

 

 

A participação dos cidadãos pode apoiar um debate inclusivo em torno da tecnologia. 

Uma forma de envolver os cidadãos na definição do papel da tecnologia é através da participação na governação dos dados. Existe um enorme potencial na abertura, partilha e utilização de dados em benefício do público. Para desbloquear todo o valor dos dados e simultaneamente gerar confiança neste ecossistema, é imperativo que os governos envolvam os cidadãos, em condições de igualdade, e os capacitem para contribuir para a definição de políticas sobre a forma como os seus dados são partilhados e utilizados. 

 

Concretamente, a Recomendação da OCDE sobre o acesso e a partilha de dados inclui uma disposição específica2 para capacitar as partes interessadas do ecossistema de dados e o Instituto Ada Lovelace iniciou um projeto para explorar as melhores práticas para inspirar os governos a implementarem a governação participativa dos dados. 

 

Outra forma de envolver os cidadãos na definição das políticas tecnológicas é a integração da opinião pública nas escolhas feitas. As evidências recolhidas em mais de 300 casos no âmbito do relatório OECD’s Catching the Deliberative Wave: Innovative Citizen Participation and New Democratic Institutions Report (2020) demonstram que a utilização de processos deliberativos representativos3 pode apoiar os decisores políticos em problemas complexos, como dilemas relacionados com princípios e valores e questões a longo prazo, que vão além de um ciclo eleitoral. 

 

A OECD Database of Representative Deliberative Processes and Institutions inclui 12 estudos de caso que integraram processos participativos relativos a políticas relacionadas com a tecnologia, sobre temas como a terapia genética, na Dinamarca, ou a expressão democrática em linha, no Canadá. Além dos processos ad-hoc, Graham Smith sugere projetar instituições democráticas para representar melhor os interesses das gerações futuras, especialmente em tópicos como o clima e as tecnologias emergentes. Ele argumenta que as nossas atuais instituições estão mal preparadas para enfrentar desafios a longo prazo e defende os Gabinetes Independentes para as Gerações Futuras ou para institucionalizar o uso da deliberação e da participação cívica. Sobre este último, a OCDE publicou recentemente um guia que delineia oito modelos para institucionalizar a deliberação pública representativa para melhorar a tomada de decisões coletivas e reforçar a democracia. 

 

«A participação dos cidadãos não é um conceito linear e tem diferentes modalidades, graus de envolvimento e impacto.»

 

Para além da deliberação, outras formas de participação podem apoiar decisões mais informadas e democráticas em matéria de tecnologia. Por exemplo, a Austrália consultou os seus cidadãos sobre a implementação de aplicações de rastreio de contactos durante a Covid-19, como forma de apoiar a legitimidade e o cumprimento. O «Sciencewise» é um programa no Reino Unido que apoia políticas participativas e informadas sobre ciência e tecnologia. A recente adoção de tecnologias emergentes, como o 5G ou o reconhecimento facial, provocou a necessidade de aumentar o debate público. Por exemplo, a cidade de Paris (França) organizou mesas redondas para reunir opiniões e recomendações sobre os usos das tecnologias 5G e a cidade de Portland (EUA) realizou um referendo para proibir o reconhecimento facial em espaços públicos. 

 

«Para desbloquear todo o valor dos dados e simultaneamente gerar confiança neste ecossistema, é imperativo que os governos envolvam os cidadãos(...)»

 

A tecnologia pode promover abordagens inovadoras de participação. 

A utilização de ferramentas digitais tornou-se no novo normal para as autoridades públicas envolverem os cidadãos. Por exemplo, 84% dos países da OCDE criaram uma plataforma digital centralizada para a participação dos cidadãos e as partes interessadas4 e as boas práticas estão espalhadas por todo o mundo, como em Barcelona, no Brasil, na Islândia e em Taiwan. Para além das plataformas digitais tradicionais, as tecnologias emergentes podem reforçar os processos participativos, por exemplo, a utilização da Inteligência Artificial e o processamento de linguagem natural podem melhorar a análise dos contributos dos cidadãos. Além disso, as tecnologias de realidade virtual ou aumentada podem permitir aos cidadãos simular a deliberação presencial e aumentar a confiança nos espaços online

 

Em conclusão, a participação dos cidadãos pode ser benéfica para os atuais e futuros desafios políticos, no que diz respeito às tecnologias emergentes. Pode melhorar o debate democrático e a qualidade das políticas públicas, aproveitando a inteligência coletiva e capacitando os cidadãos a desempenharem um papel ativo na definição das decisões que afetarão as suas vidas. Ao mesmo tempo, as tecnologias emergentes têm o potencial — ainda sob investigação — para desencadear a tomada de decisões coletivas e avançar para uma arquitetura democrática adequada para o século XXI.

 

Mauricio Mejia | Analista de Políticas Públicas, Unidade de Governo Aberto e Espaço Cívico, OCDE.
Cecilia Emilsson | Analista de Políticas Públicas, Unidade de Governo Digital e Dados, OCDE.
Ethel Tan | Analista de Políticas Públicas, Unidade de Governo Digital e Dados, OCDE.

 

Notas:

(1) OECD Recommendation of the Council on Open Government (2017)
(2) OECD Recommendation on Enhancing Access to and Sharing of Data - A recomendação convida os seus subscritores a «capacitarem e envolverem proativamente todas as partes interessadas relevantes, juntamente com esforços mais amplos para aumentar a fiabilidade do ecossistema de dados, antes e ao longo da elaboração e aplicação de medidas políticas para melhorar o acesso e a partilha de dados».
(3) A OCDE (2020) define um processo deliberativo representativo como: «quando cidadãos selecionados aleatoriamente, que constituem um microcosmo de uma comunidade, passam um tempo significativo a aprender e a colaborar através de uma deliberação facilitada para desenvolver recomendações coletivas informadas para as autoridades públicas».
(4) Dados do inquérito da OCDE sobre o Governo Aberto (2020), acessível em: https://www.oecd.org/governance/open-government-dashboard/ 

 

 

 

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